Escritor Hélio Freitas
Britto Jornalista (de Chapéu e barba)
Por Antonio
Britto
Não é de hoje
que eu já sabia. Sentado ali na Praça da Lagoa, o Nego
Dêda disse-me um dia: “Bonfim e o São João nasceram aqui”. O Alano Sena Gomes e o Luiz
Gonzaga ouviram isso de Lampião,
acreditaram e foram homenageados pelo Bloco Caroá, agora em 2012.
Foi por isso que
entrei no bloco e curti seu astral. Cantei porque todos cantavam e sorriam de
satisfação. Entramos nas casas como antigamente e no meio do caminho abracei Fernando Coelho e o seu bandolin... Curiei o charango boliviano de 10 cordas do Zecrinha e vi como o bichinho miúdo é zuadento,
mas merencório. Posei pra fotografia sem nada cobrar, a exemplo de Hélio Freitas que um dia antes (22/06) pintou de
graça um retrato valioso, em preto-e-branco do São João de outrora e me deixou
publicar nas mídias sob forma de “Entrevista”.
Era tarde de 23
de junho, dia de fogueira, dia de guerra de espadas e dentro do Caroá senti que
o São João de Bonfim tem mesmo simetria com o nascimento da cidade. O violão do
Mario Jambeiro, o Marão, jurou que Bonfim é
gêmea com o São João. O Carlinhos Canhoto foi adiante, disse que são da mesma
placenta. O Ronie Von a garantir que São
João é feito de sanfona, cantiga de roda e suor de licores...
Não tomamos dose
nenhuma (a não ser de álcool que não embebeda, só libera) e sabe-se lá por que
na 9ª visita estavam todos embriagados de prazer. Ninguém cantou nada fora do
junino e o repertório foi inesgotável. Tudo em roda de gente. Coisa de calor humano.
De pessoas que antes de tudo se exibem para si. Todos no ápice do tao, em plena harmonia individual,
agradando-se de estarem unidos pela tênue e forte fibra do Caroá.
Ah, como foi bom. E bonito! Uma pena que eu tenha entrado 50 metros depois do bloco ter largado do Hotel Novo Leste e que eu tenha saído antes da maratona chegar ao final. Felicidade do Jairo que apareceu na Praça Nova, da Jacira que cantou mais do que o violão que tomou emprestado, da psicóloga Marcela que abriu as portas à recepção ao povo da Tapera ou Vila Nova da Rainha ou à autenticidade do São João. No bloco, Mauro Coelho não teve tempo para fotografar as irmãs Militão, porque fez tomadas para uma reportagem especial da mídia especializada.
Como é bom a
gente se sentir criança, bater palma sem esforço para aplaudir o ritmo da
ciranda... Por culpa da entrevista do Hélio,
ao entrar em cada casa eu me sentia como se fosse componente de uma das bandas
de Calumbis que outrora se dirigiam à
casa de Antônio Preto, no
Bonfim antigo... Não fomos ao Campo do Gado, Gamboa, como naquele tempo, mas o
Pernambuquinho ta na beira do eterno roteiro do Caroá.
O violão do Clóvis e o cavaquinho de Loló são fregueses desses caminhos velhos e novos. O Roberto Simões e a maraca do Batatinha não aceitam desvios. Quebram-se quaisquer dos instrumentos do Caroá que ouvirem som do São João em trio elétrico. Maria Guirra, Glória da Paz, Salomão e o prolongamento dessa tribo só deixam o Caroá no último pau-de-arara, que Idinho assegura que nunca haverá. Se o Caroá falhar – diz ele – vou me entrincheirar na Volta do Morro.
Saí correndo pra
dizer à Clélia e ao Hélio
que continuassem no sofá, que lá para as tantas, meia-noite acima, o Caroá ia
chegar, inteirinho, não igual às 20 horas quando nem o fotógrafo nem o Fernando
encontravam a Solange Coelho... Mas ia chegar igualzinho aos blocos de outrora.
> “Igualzinho, não. Não pode. Afinal, tudo que é sólido desmancha no ar” –
retrucou Valdízio Nunes.
Mas dá pra matar
saudades daqueles tempos, melhores em segurança e em confiança nas pessoas –
amenizei pra não perder na discussão. Já
pensou ter eu de enfrentar escolásticos e estóicos pra defender a continuidade
do que todos querem: o São João com sabor de canjica, cheiro de fraternidade,
dança espontânea, ruas cheias de casas com cadeiras nas portas, gente entrando
e saindo...
Lá fora existia
o inevitável showroom da modernidade. Cujos ecos gritavam certo idioma junino.
Gonzagão foi motivo de ilustrações. Trio Bahia, Trio Nordestino e Clã Brasil
fizeram-se bons porta-vozes da reminiscência. Outros esfregaram o anti-São João
na cara da cidade. Mas quem confraternizou no Caroá não ouviu senão a
transcendência da verdadeira festa junina cultivada pelo grupo.
Se alguém disser
que o Caroá realiza uma operação de abstração que faz supor uma proposição
real, diga. Independente disto ele é há 27 anos um bastião dessa tradição
pós-pataxó. Nem por isso o Caroá deixou de fazer brilhar o seu estandarte. E
entre os adereços de frente do bloco ainda pontilhou um casal de noivos, cuja
estrela maior foi a “Ex-miss My Love R$1,99”.
A celebração do
Caroá e ao Caroá foi feita de desfile olimpicamente caipira, com ritual de
licor, canjica, milho assado, amendoins e mesas fartas. Fogueiras primas-irmãs
das de Augusto Sena Gomes também. E a lendária
Sinhá Cantadeira, dos anos 40 e 50, se não
estava em nossa companhia (tenho dúvidas) foi bem substituída – já que um coral
que brota da vontade genuína, como o do Caroá, faz milagres. Esta segunda-feira
de cinzas do São João pode ter ofuscado a minha lembrança. Mas o rastro do
caroá nos é, de fato, indelével e inopinadamente visível.
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