Em entrevista publicada hoje (7) pelo Jornal de Angola, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala sobre a experiência brasileira na condução de políticas inclusivas e de desenvolvimento social, além das ações de combate à pobreza.
Lula está na Angola a convite do governo local para um seminário de troca de experiências em programas sociais de combate à pobreza entre Brasil e Angola. O encontro é organizado pela Fundação José Eduardo dos Santos e pelo Instituto Lula.
Leia a íntegra da entrevista concedida ao jornal angolano:
Política inclusiva erradica pobreza
Filomeno Manaças
Desde segunda-feira em Angola a convite da Fundação Eduardo dos Santos (FESA) para partilhar a sua experiência no combate à pobreza no Brasil, em seminário a ter lugar hoje, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em entrevista ao Jornal de Angola das soluções aplicadas para melhorar o desenvolvimento humano e defende, na luta contra a fome, políticas públicas e programas sociais inclusivos.
O ex-Presidente afirma que continua a ser um activista político e acredita que é possível um mundo sem fome.
JORNAL DE ANGOLA – O Sr. tornou-se um vulto político da América Latina e mesmo a nível mundial fruto da sua Presidência bem sucedida. Qual é a fórmula para retirar 50 por cento da população da linha da pobreza?
Luiz Inácio Lula da Silva- Não há uma fórmula igual para todos os países, porque cada nação tem a sua própria realidade económica, e a sua situação política. Mas o que eu acho fundamental é incluir os mais pobres no orçamento público. Aqueles que não estão organizados em partidos, em sindicatos. E ver os recursos para a área social – para a saúde, para a educação, para a moradia – não como um gasto, mas como um investimento que o país faz no seu próprio povo. No Brasil, combinamos uma série de programas sociais, fizemos uma forte política de crédito para a população, incentivamos a regularização dos micro-empreendedores. Esse conjunto de acções resultou no maior programa de inclusão social da história do país. Criamos 21 milhões de empregos, tiramos 36 milhões de pessoas da extrema pobreza, e 42 milhões ascenderam à classe média. O principal programa de transferência de renda, é o Bolsa Família, que transfere recursos para as mães das famílias mais pobres que mantêm os seus filhos na escola e as suas vacinas em dia. O dinheiro, ao chegar à mão dos mais pobres, é distribuído preferencialmente às mães. O dinheiro não fica parado num banco, é transformado em alimento para as crianças, roupas e material escolar. Esse programa, integrado noutras iniciativas, gerou um grande mercado interno, que movimentou o comércio, que por sua vez movimentou a indústria, gerando mais empregos. Os pobres deixaram de ser um problema e passaram a ser parte da solução.
JA – Numa análise por regiões, e se puder, destacando países, como vê a evolução ou regressão no combate à pobreza no continente africano?
LS – Quase sempre que um brasileiro é consultado, ele trata a África como se fosse um único país, com um único governo e uma única religião. Quando todos teriam que entender que há uma diversidade de países e situações no continente. Qualquer análise sobre a África deve levar em conta que os países conseguiram a sua independência há muito pouco tempo, e depois muitos deles tiveram que enfrentar guerras civis e vivem em paz há pouco tempo. Eu particularmente fico muito feliz por ver o continente africano neste século XXI a consolidar a democracia na maioria dos países, com a compreensão de que a paz impulsiona o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, é muito importante a gente reconhecer os avanços na construção da integração africana, com o fortalecimento da União Africana, do Banco Africano de Desenvolvimento, do NEPAD e das Comunidades Regionais. A integração dos países africanos é a maior obra em construção no continente. Mas é claro que ainda há muito a ser feito. O maior desafio é o combate à fome e à miséria. A África tem todas as condições para se tornar auto-suficiente na produção de alimentos, como já foi no passado pré-colonial. E para produzir alimentos, é preciso produzir energia. A África pode ampliar a produtividade do campo e criar programas que garantam o acesso das pessoas aos alimentos. Em 2013, o Instituto Lula organizou, junto com a FAO e a União Africana, um encontro de alto nível em Adis Abeba, que propôs a meta, aceite pelos países africanos, de erradicar a fome no continente até 2025. Isso é plenamente possível. Quatro países foram escolhidos como referência para essa iniciativa: Angola, Níger, Malawi e Etiópia. A nossa compreensão é que o problema da fome não pode ser resolvido por projectos pontuais, mas com políticas públicas e programas sociais que garantam a alimentação como um direito de todo o cidadão.
JA – Na Ucrânia está a desenhar-se um conflito com potencial de evolução. Como avalia a sua génese e possíveis consequências para a geopolítica mundial?
LS – Ainda é cedo para fazer uma avaliação, e as informações são muito contraditórias. Eu sempre ¬defendi o direito à auto-determinação dos povos e acredito que a paz e o diálogo são fundamentais para a saída desta crise. Porque em momentos de conflitos armados, é a população mais pobre quem mais sofre.
JA – O Brasil é um país de futebol e o Mundial é já agora em Junho. Nunca um Mundial esteve rodeado de tanta expectativa, tanto desportiva como política. Escusado será dizer que a sua equipa preferida é o “escrete canarinho”. Podem as manifestações de rua ofuscar a competição? Por que equipa acha que o Presidente José Eduardo dos Santos vai torcer?
LS – Eu não tenho dúvida de que a Copa do Mundo no Brasil será extraordinária, tem tudo para ser a melhor Copa já organizada. A Copa é mais do que um evento desportivo, ela não deve ter como objectivo principal a rentabilidade económica. A Copa é antes de tudo um encontro dos povos do mundo inteiro, o momento da maior confraternização do planeta. É a hora do Brasil apresentar-se como ele é, sem esconder os seus problemas. Houve uma imensa procura de bilhetes e centenas de milhares de estrangeiros irão ao Brasil. Se acontecerem protestos, reivindicações, teremos que encarar com normalidade, é assim a democracia. O papel do governo é garantir as condições para os nossos visitantes serem bem recebidos, se sentirem seguros e poderem conhecer o país e as suas belezas, para que possam conhecer bem o povo brasileiro, que é alegre e acolhedor. Eu tenho a certeza que o Presidente, será muito bem recebido no Brasil. Eu imagino que o coração dele esteja bem dividido nesse momento, pois cinco países africanos vão disputar o Mundial e o futebol africano tem avançado muito. Mas como o Brasil é o país com a maior população negra no mundo depois da Nigéria, eu conto com um pouco do apoio dos angolanos.
JA – Como colunista mensal do jornal “The New York Times”, há um ano, sobre o que é que mais escreve e o que mais faz desde que deixou a Presidência do Brasil?
LS – Eu já não desempenho qualquer cargo, mas continuo a ser um activista político. Criei o Instituto Lula com o objectivo de discutir e trocar experiências com latino-americanos e africanos sobre as políticas públicas bem sucedidas na área social. Eu já acreditava antes e passei a ter certeza, baseado no que fizemos no Brasil, que é possível construir um mundo onde ninguém passe fome.
Biografia de um batalhador
Luiz Inácio Lula da Silva, mais conhecido como Lula, é um político, ex-sindicalista e ex-metalúrgico brasileiro. Foi o trigésimo quinto Presidente da República Federativa do Brasil, cargo que exerceu de 1 de Janeiro de 2003 a 1 de Janeiro de 2011. Passou o testemunho à Dilma Rousseff.
Luiz Inácio da Silva, conhecido como Lula, ganhou esta alcunha nos tempos em que era representante sindical. Posteriormente, o apelido foi oficialmente adicionado ao seu nome para poder representá-lo eleitoralmente. É co-fundador e presidente de honra do Partido dos Trabalhadores (PT), onde teve, durante vários anos, de lidar com os sectores radicais que foram contra a sua mudança de estratégia económica após três derrotas em eleições presidenciais. Em 1990, foi um dos fundadores e organizadores, em conjunto com Fidel Castro, do Foro de São Paulo, que congrega parte dos movimentos políticos de esquerda da América Latina e do Caribe.
Com carreira política feita no estado de São Paulo, Lula é o único Presidente do Brasil nascido em Pernambuco. É muitas vezes considerado como o político mais popular da história do Brasil e, no período do seu mandato, um dos mais populares no mundo. Programas sociais como o “Bolsa Família” e “Fome Zero” são as imagens de marca do seu Governo.
Com carreira política feita no estado de São Paulo, Lula é o único Presidente do Brasil nascido em Pernambuco. É muitas vezes considerado como o político mais popular da história do Brasil e, no período do seu mandato, um dos mais populares no mundo. Programas sociais como o “Bolsa Família” e “Fome Zero” são as imagens de marca do seu Governo.
Lula teve um papel de destaque na evolução recente das relações internacionais, incluindo na abordagem e negociação do programa nuclear do Irão e do aquecimento global, e foi descrito como “um homem com ambições audaciosas para alterar o equilíbrio de poder entre as nações”. Foi considerado pela revista Time uma das 100 Pessoas Mais Influentes do Mundo de 2010, e aclamado pela crítica como “o político mais bem-sucedido do seu tempo”.
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