sexta-feira, 13 de março de 2015

UM ACENO PARA HÉLIO FREITAS (Por: Antônio Britto)

Hélio Freitas (Foto Antônio Britto)


UM ACENO PARA HÉLIO FREITAS
Neste 11 de março de 2015, o cidadão HÉLIO DE CARVALHO FREITAS completa 85 anos de idade. Uma vida vinda ao mundo ante a presença de monumentos centenários que ainda hoje resistem ao tempo: como a Catedral Diocesana, a Prefeitura Municipal, a Estação Ferroviária, o prédio do Bispado e as altas palmeiras da Praça Nova do Congresso – todos no centro antigo e atual de Senhor do Bonfim.

REVELAÇÃO NA JUVENTUDE – Não existe mais a casa em que ele nasceu, na Rua Costa Pinto, como também não existe mais a cidade antiga, de urbanismo rarefeito, onde se destacavam o sempre charmoso Beco do Bazar, o badalado Cinema São José e a preciosa Radio Cultural – um serviço de auto-falantes afeito a espalhar informação, música e alegria para a festeira cidade dos anos 40 e 50 do século 20. Foi aí que ainda imberbe e com apenas 19 anos de idade Hélio Freitas foi aproveitado como locutor de primeira linha. Na Rádio Cultural, Hélio Freitas foi o locutor, o noticiarista, animador de programas, apresentador de shows especiais e, vez por outra, comentarista também. Como se vê, esse Hélio Freitas que desde sempre teve atividades sociais prestimosas continua a ser uma esplêndida figura de sua a terra e para sua terra. Muito provavelmente, pela soma de valores éticos, morais e intelectuais ele é a figura humana de maior referência de Senhor do Bonfim dos nossos dias.

“Ser o que se é,
Falar o que se crê,
Crer no que se prega,
Viver o que se proclama
até as últimas consequências”
(Pedro Casaldáliga)

ANDANÇAS E NUANÇAS – Nascido em 1930, Hélio Freitas ainda criança, viu seu pai, um homem culto, morrer precocemente, antes de chegar aos 40 anos. De 1948 a 1953, morou naquele lindo casarão onde hoje funciona o restaurante e casa de show Tulipa. Foi pouco depois para Salvador, capital do estado, mudando-se mais tarde para o Rio de Janeiro, cidade então capital do país, onde viveu por 40 anos, 1958/98. Veio a perder sua mãe no ano de 1980. Hélio viajou muito, principalmente vindo de Salvador ou Rio de Janeiro anualmente a Senhor do Bonfim, onde escreveu dois livros inteiramente dedicados à vida cotidiana, ao folclore e à cultura de sua terra natal. Fora do país, levou uma temporada em Cuba, em tratamento de saúde. Ficou viúvo da primeira esposa, com quem teve filhos, e casou-se em 1991 com a elegante e prendada Clélia, sua companheira de todos os momentos, assuntos e atividades. Deve existir uma boa dose de verdade em quem vir a supor que, entre os dois, nunca deixou de rolar uma ponta de paixão pendente desde a juventude, entretanto solucionada pelo tempo e por um amor de finíssimo trato no matrimônio atual. Hélio não mede dirigir piadas com sal de humor buliçoso nas pilhérias com Clélia que, por sua vez, mestra em “pegar no ar”, percebe a intenção do marido e o ironiza com clássicos silêncios de “nem te ligo” que anulam no ato as brincadeiras ensaiadas. Entre eles tudo se transforma invariavelmente em risos, beijos e dupla declaração de amor. Os dois cantam em bom tom, sabem ritmar a alternância da vida de casal. E cantando entoam uma parceria tão una que não deixam espaço para a disputa de superioridade individual. Hélio goza de boa saúde e pelos cuidados de Clélia ele poderia até dar-se ao luxo de engordar no sofá. Mas Clélia reagiria.

PACÍFICA COEXISTÊNCIA - Ela permanece a pedagoga perfeccionista, que em sua carreira profissional recebeu relevantes funções executivas na pasta da Secretaria de Educação do estado. Ele, ainda que resistente a fazer parte dos internautas, quem diria, já troca mensagens pelo facebook. Ela, plantando e colhendo flores e olerícolas – uma das formas de manter-se em ginásticas com a natureza que tanto ama. Ele, revisando o que já escreveu, relendo poetas, remoendo conhecimentos velhos e novos, e recaindo necessariamente naquele português bem pontuado, recheado de apostos e frases machadianas como já não se as fazem mais. Ela, pintando quadros, ornamentando as paredes com técnicas que só ela sabe como desenvolveu, dando à casa espaçosa um ar de vernissage permanente, variada em artefatos produzidos por suas próprias mãos. Na mesa posta, Hélio saboreia elogios aos pratos gostosos, sob medida para eles, que se previnem de excessos de gorduras e sal. Antes da mesa posta, Clélia antecipa toda a sabedoria em arte culinária, oferece novos paladares e, de vez em quando, ainda prepara algum “parece, mas não é”: comida sofisticada que não se encontra com facilidade entre ‘chefs’ e ‘gourmets’. Antes, durante e depois de tudo e de qualquer coisa, os dois se dedicam a cuidados mútuos. Que casal! Lindo!
APEGO AO NOSSO TORRÃO – Ambos bonfinenses ‘da gema’. Segundo Clélia Oliveira, certo dia Hélio de Carvalho Freitas cismou que era mortal e compenetrado com a descoberta declamou para a ela: “Se eu morrer no Rio, quero ser enterrado em Bonfim; se morrer em Salvador, quero ser enterrado em Bonfim; se morrer em Bonfim, quero ser enterrado em Bonfim”. Ela ouviu, calou e no dia 09/03/2014 me contou, em Bonfim, com clara solenidade e admiração. Ele escutou e confirmando-a, calou. O casal tem muito gosto em comum, nas preferências musicais se aproximam, com pequeninas diferenças. Para Clélia, “Luzes da Ribalta” do Charlie Chaplin é o deleite máximo. Hélio Freitas fica com “Chão de Estrelas”, seresta clássica da MPB, de letra divinamente poética, composta por Orestes Barbosa e cantada desde Sílvio Caldas a Maria Betânia. Na verdade, duas melodias de ninar gente grande.
PESO CORRETO PARA A LEVEZA DO SER – Hélio Freitas nunca deixou de dizer o que pensa e o que sente, o que faz e o que é. Nunca deixou de contestar a forma hipócrita da vida capitalista, de considerar que o sistema tem como base essencial manter o homem para a competição individual e assim conservar o desamor ao próximo. Observa que o sistema não chama a humanidade à colaboração e que o principio de defender a guerra entre os indivíduos, grupos e nações, é sagrado ao capital. Censura que no regime capitalista a concórdia e a solidariedade são admitidas só parcialmente, mas jamais foram pregadas como fundamento essencial para a humanidade. Nos lugares onde passou disse o que viu, de maneira tão sincera que não põe grifo na garganta. Entrega suas ações à razão escapada em voz de naturalidade. “Não sei”, “não entendo”, “aprovo” ou “não aceito” são expressões que em sua fala possuem o conceito claro da gramática, sem meios-termos. O que é no seu pensamento será na sua expressão verbal. Talvez venha dessa honestidade toda a aceitação em ambientes onde sofismas não se firmam. Ele foi referência na idade juvenil em Senhor do Bonfim, na passagem adulta por Salvador e no longo tempo de maturidade no Rio de Janeiro, onde cristalizou as melhores virtudes de sua personalidade.
DIGA-ME COM QUEM ANDA... – No Rio, onde morou por 40 anos, Hélio Freitas fez uma aparição discreta mas destacada. Lá ele chegou até a se tornar dono de uma pequena empresa gráfica. Depois, por opção ideológica e competência se tornou conhecido e amigo de uma nata de intelectuais socialistas que influenciaram momentos históricos da nação. Falando e escrevendo bem, foi chamado e contribuiu com iniciativas e empreendimentos de homens notáveis, alguns com renome além das fronteiras do país:
Tanto correspondeu e se integrou que foi có-fundador de entidades como o Movimento de Defesa da Economia Nacional (Modecom) e do Conselho de Defesa da Paz (Condepaz), ambos de abrangência nacional. E nesses passos se familiarizou com corporações como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), onde protagonizou conhecimento com o jurista BARBOSA LIMA SOBRINHO, jornalista e figura pátria das mais veneradas, inclusive também Presidente de Honra do Condepaz.
Na ordem de grandeza do rol de amigos de Hélio Freitas, com convivência cultural e identidade que adentram os lares, estiveram: HENRIQUE MIRANDA – Diretor da ABI e Presidente da Federação Latino-Americana de Jornalismo, sempre lembrado como “o primeiro brasileiro a visitar Cuba, depois da revolução de 1959”. Além desse, houve o convívio com o sociólogo ALBERTO PASSOS GUIMARÃES, escritor de “Quatro séculos de latifúndio”, livro que colocou o autor ao lado de Celso Furtado e Caio Prado Júnior como “os três maiores especialistas nas questões fundiárias do país”. Nesse âmbito, Hélio conheceu OSNI DUARTE PEREIRA, desembargador íntegro e escritor de 20 livros sobre temas nacionais, entre eles o mais popular “Quem Faz as Leis no Brasil”. Osni que foi sindicalista e professor de Ciência Política no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), teve os direitos políticos cassados em 1964. Tal é a sua importância que, ao lado do jornalista Barbosa Lima Sobrinho e do jurista Evandro Lins e Silva, Osni assinou o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Veio a falecer em 2002.
Hélio teve também ótima e duradoura relação com CARLOS HESS DE MELO, general nacionalmente famoso por sua militância política junto a hostes nacionalistas e socialistas ativas no pós-II Guerra Mundial nas décadas seguintes de Guerra Fria. Dessa linha de altas patentes militares que se compunham com a esquerda, o nosso bonfinense foi próximo do Brigadeiro RUI MOREIRA LIMA e do "bom amigo" ALLAN KARDEK LIMA, coronel do Exército exaltado e entusiasta das reformas de base assumidas por João Goulart. Bem assim, Hélio foi amigo de figuras de projeção cultural e política, como o escritor EDI MEIRELES e a socióloga ZULEIDE FARIA DE MELO, também catedrática da UFRJ. Outro nome histórico a quem nosso hoje aniversariante Hélio teve acesso foi o jornalista APARÍCIO TORELLI, pioneiro em humor na política brasileira, notabilizado como “Barão de Itararé”, título fictício decorrente de sua enorme criatividade na produção de pensamentos, textos, frases, poemas e trocadilhos que se tornaram populares.
Inesquecível também foi o privilégio da amizade de Hélio Freitas com APOLÔNIO DE CARVALHO, a ponto de ficaram amigas as esposas, Clélia Oliveira e Renée Carvalho. Um dos livros de Apolônio foi presenteado por Hélio Freitas ao nosso amigo Jairo Sá, em Senhor do Bonfim. Por suas ideias marxistas, Apolônio viveu mais no exílio que no Brasil. Virou personagem de Jorge Amado na obra "Subterrâneos da liberdade", onde é o “Apolinário”. Considerado como "herói de três pátrias", Apolônio participou da revolta comunista de 1935, da Guerra Civil espanhola (1936/39), da Resistência Francesa (na II Guerra) contra os nazistas e da guerrilha contra o regime militar brasileiro (1964-1985). Apolônio morreu em 2002 no Rio de Janeiro, com a patente de general do Exército Brasileiro. Mas a lista de famosos de Hélio não para. Conquistou e mantém o respeito e a amizade de MODESTO DA SILVEIRA, um dos maiores juristas de nossa história, que ainda em 2012 ganhou o título de “Senhor Consciência”, no Canal Universitário da Unitevê, em Niterói. Modesto, hoje beirando os 90 anos, enfrenta agora "doença perigosa”, diz Hélio Freitas, mas nunca parou de defender aqueles que foram perseguidos por questões filosóficas e políticas.
PARÊNTESIS - Por ironia do destino, agora sou eu quem aqui lamenta por esse ícone do Direito. Amigo de Hélio Freitas e felizmente vivo ainda Modesto da Silveira foi o único advogado que em 1969 tomou a defesa de minha causa quando fui encarcerado pela Ditadura Militar. Ele que não me conhecia, que não obteve minha assinatura para me representar e que sequer pôde me ver ou visitar na prisão... Ele que nem sabia que eu era prisioneiro político “incomunicável”, ocultado pela Ditadura... Ele que ignorava que hora eu estava nos porões do Exército, hora nos cubículos do DOPS, nos distritos policias civis e militares ou, ainda, dentro de camburões rodando sem destino, sob constante ameaça de morte... E ainda assim assumiu ser meu advogado. Por minha vez, ao me evadir da prisão do DOPS/Rio de Janeiro e levar 10 anos “procurado” pela repressão, eu nunca soube se o Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da UFRJ, que contratou o Dr. Modesto da Silveira, pôde algum dia recompensá-lo pela atuação em meu processo. Era o melhor defensor do país e nunca o vi pessoalmente. Eu telefonava e ele aconselhava-me, continue em lugares distantes do Rio". Obedeci as suas orientações até 1979, quando fui enfim anistiado. E eis que agora o destino me coloca ao lado de quem era e é seu amigo, este pedaço de pura integridade moral, que é o Hélio Freitas.
Finalmente, Hélio assomou a tal prestígio no Rio, que chegou a ser editor do jornal “Gazeta da Paz”, órgão que, por refletir anseios democráticos sociais e boa qualidade em suas publicações, obteve da Organização das Nações Unidas (ONU) o título de “Mensageiro da Paz”. Este meu aceno é, portanto, infinitamente pequeno para o mérito desse grande bonfinense, apaixonado pela extinção de injustiças, pela afirmação da igualdade social e consequente emancipação da humanidade. Que o seu humano coração, Hélio, continue batendo forte pelo valor que dá a todos os povos, com destaque ao carinho por sua terra. Inteiramente solidário com sua formação moral e ética, receba meus parabéns, Hélio Freitas. 


Antonio Britto

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