Paulo Machado |
Não imaginaria que um
ano iniciado com abraços, sorrisos, espocar de fogos e cruzamento de taças
terminaria em um leito de hospital. Procuro no quarto cinzento, entre gemidos,
a Cruz do Senhor Jesus Cristo, não tanto para tentá-lo, mas para que ele me
recorde entre lábios, as sete últimas palavras que ele, sofrido, pronunciou no
madeiro, em meio à sua Paixão e Morte. E à medida que relembro as suas palavras
finais, tentei e tento acrescentar as minhas palavras imperfeitas e também
doloridas, neste um mês em que me encontro “gemendo e chorando neste Vale de
lágrimas” (“gementes et flentes in hac
lacrimarum valle”) como nos consola a bela “Salve
Regina” medieval:
(1)
Mateus 27:46 nos diz que perto da
hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: “Eli, Eli, lamá sabactâni; isto
é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” No leito do hospital busquei
várias vezes o olhar de Jesus, compassivo, de quem experimentara no corpo a dor e a
morte, tentado a sentir-me entregue à fraqueza do velho corpo em sensação de
silêncio e abandono.
(2)
"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que
fazem" (Lucas 23:34). Em momentos outros recriminei-me a mim mesmo. Pedi o
toque da mão salvífica de Jesus Cristo, e tinha a sensação de não ser fiel à
compaixão divina.
(3)
"Em verdade te digo que hoje
estarás comigo no Paraíso" (Lucas 23:43). Meu Deus, adia em mim a
desesperança e a sensação de que a vida do sofredor está por um fio!
(4)
"Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito" (Lucas 23:46). Inúmeras vezes abandonei-me nas mãos de Deus,
como aquele que pode dar a última palavra...
(5)
"Mulher, eis aí o teu
filho!" e "Eis aí tua mãe!" Ai de mim, ai de nós, se não fossem
as dedicadas e atenciosas mulheres, santas, esposa, filhas e amigas que não me
deixavam desfalecer...
(6)
"Tenho sede" (João 19:28). Experimentei
vezes incontáveis . buscando saciar a
minha sede, a bebida prevista pelo Salmo 69:21: "Puseram fel na minha
comida e para matar-me a sede deram-me vinagre."
(7)
"Está consumado!" (João 19:30). Dificil,
muito difícil, viver esta última palavra de Jesus na Cruz: havia sempre a
sensação de que a minha fragilidade corporal estava distante, bem distante, da
missão que um dia Deus colocou no meu coração, chamando-me à vida...
Uma outra reflexão que
nasce da experiência do acamado: Nós, em nosso dia-a-dia, não nos damos conta
de pequenos elementos, que nos passam desapercebidos, mas que ganham uma força
e uma importância extraordinária ao enfermo: a bolachinha salgada, seca, sem
gordura alguma, triturada entre os dentes, com sabor de maná, quando a falta de
apetite foge em meio à noite, após a chegada da solitária e interminável
madrugada; o imenso bem que fazem uma Televisão desligada, um rádio aposentado,
diante da angústia do leito incapacitador; a importância de um sanitário em que
ao lado do chuveirinho substituto do antigo bidé se tenha colocado um ralo para
o escoamento das águas dos quase-banhos improvisados; a força e a segurança
devolvidos por uma engenhoca simplória, um andador de três pés, que com o tempo
aprendemos a dirigir entre espaços apertados sem comprometer o joelho
incapaz...
Bendito seja o Senhor, nosso Deus, que nos conforta do alto da Cruz, com
suas belas e pungentes sete últimas palavras e nos ensina, pela experiência
diária, a tornar importantes e necessárias coisas do dia a dia que julgamos, em
ignorância, que nada possuem de valor!
Paulo Machado,
05-02-2016
Terminando 2015 nos
braços da Cruz e ali permanecendo nos primeiros meses de 2016!
PAULO BATISTA MACHADO, Ph.D em Educação
Professor universitário - orientação de trabalhos científicos
CV LATTES: : http://lattes.cnpq. br/2875039908932625
Possui
graduação em Filosofia pela Universidade Federal de São João Del-Rei
(1976), graduação em Teologia pela Escola Teológica da Congregação
Beneditina Brasileira (1972), graduação em História pela Universidade
Católica do Salvador (1986), mestrado em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (1990) e doutorado em Educação (Ph D) - Université Du
Quebec à Montreal (1998). Pos-doutor em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), desde dezembro de 2013 faz estagio Pos-Doutoral
no CRIFPE, da Universidade de Montreal, Canadá. .Aposentou-se em 2009
como professor Pleno da Universidade do Estado da Bahia, Atuou também
como professor titular do Instituto Superior de Teologia e Pastoral de
Bonfim e prefeito da Prefeitura Municipal de Senhor do Bonfim. Fundou e
coordenou o Grupo de pesquisa "Representações Sociais, Imaginário e
Educação Contemporânea", do Departamento de Educação do Campus VII,
Universidade do Estado da Bahia, Senhor do Bonfim. É líder dos Grupos de
Pesquisa certificados junto ao CNPQ chamado GEFASSCE da Universidade de
Pernambuco (Petrolina) , Representações Sociais, Imaginário e Educação
Contemporânea (GRUNEB) da Universidade do Estado da Bahia (Campus VII –
Senhor do Bonfim-Ba) e pesquisador do grupo FORMACCE em aberto da
Universidade Federal da Bahia. É consultor da Capes, do CNPQ e do
Instituto Mackenzie. . Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Formação de Professores, atuando principalmente nos seguintes temas:
representações sociais, escola pública, pesquisa em educação. Orientador
de TCCs, Dissertações e Teses, possui experiência em pesquisa e
orientação de pesquisa. Exerce o magistério superior na Faculdade
Augusto Galvão, Campo Formoso, Bahia, e é Professor Visitante da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Educação, Campus
VII, Senhor do Bonfim, Bahia.
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