LEVE E ORIGINAL LENINE PÕE MÚSICOS A SONHAR

Lenine

O show ia lá pela 6ª música, quando o artista trocou a guitarra por um violão. Aliás... Trocou, uma vírgula, foi ato de script, isso sim. Um dos contra-regras da banda vem voando e entrega um violão ao artista, que, voando também, botou a viola a tiracolo e deu três a quatro estalos nas cordas. E pronto. Sem quebra de ritmo estava feita a introdução da nova música! Ao meu lado Teo e Lorena exclamam: “Paciência”! Sim, era mesmo. Cá, a 20 metros do palco, o público já cantava “a vida não para”, na primeira estrofe:

“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para”

Toda a galera atenta, respiração presa porque o bicho vai entrar. É agora... É agora... Sabe o que o artista fez, man? Nem fingiu que ia soltar a voz ... Manteve a boca fechadinha da silva... Kkkkkkkkkk! Escutaqui, Guilhermino Angelim, tô escancarando este sorriso aqui e agora. Porém, lá no show, estava eu, o Igor, a Nani (Gii Dornelas), Osvaldo Dinho, Alan Gueb ligadões na atitude de Lenine, presos no ‘é agora’ e o cara nem aí... Só de ouvidos bem abertos, seu microfone levantado e a galera a cantar cada verso da canção, da primeira à última estrofe.

Ele? O Lenine? Só na batida da viola... Deixando pacientemente que o grande público fosse regido pela sua banda. Ele só ouvindo o coral natural-natural, criado ali, sem ensaio, a sua canção... Óia, Angelim: Paciência é uma canção morna, quase uma não-música... Mas... tem um não-sei-quê de letra que combina com o que ta lá dentro de não sei quantos! E isso faz o público externar a “Paciência” como canção de auto-satisfação.

Cara, sabes daquelas canções melemolentes, que guarda uma musicalidade escondida, mas que se afina e acaricia todo mundo? Pois, grande parte das composições do Lenine é assim. Agora saque essa: no Lenine elas têm como ponto alto os arranjos. São bolações infernais. Moço, sei não, sei não... O cara é bom, tem a autoconfiança de quem sabe que sabe. Eu não imaginava que ele era tão-tão.

Já o ouvi dizendo que através da música ele dá seu recado, dava sua notícia como qualquer jornal, e assim exibia suas crônicas e contrariedades a certas ordens sociais. Chegou bem pertinho da frase seca e famosa de Raul Seixas: “Eu não sou músico; uso a música só pra dizer o que quero”.

Veja bem, meu, se não é de arrepiar e dá o que pensar.

Lenine, com essa pele amarelo-ruça ... Com esse nome soviético... Com essa voz poderosa... Cheio de canções nordestinadas... Que chegam a lembrar pernambuquices gonzaguianas... Com essas letras que resenham o cotidiano social tupiniquim... Com essa cara de deslavado deboche... Com esses trejeitos corporais!... Tudo nele algo de original, inclusive as dúvidas se ele é ou não é... Por exemplo: seria capaz de fincar o pé no “Fora Temer” até o fim? Seria impaciente igual ao seu xará, o Lênin que no seu tempo de bolchevique expurgou Nicolaus, Kerenskys e os Temer’s e energúmenos de lá? Matutando bem, é melhor deixar o cara alertar, como em Paciência:

- A gente espera do mundo e o mundo espera de nós.

Espera mesmo... Sim, sim, meu caro, o show em Camaçari na noite de sábado terminou no começo deste domingo. Nego não, gostei e lembrei de ocê. O público a praça em frente ao Cidade do Saber foi jovial de cabo a rabo! Seleto e de bom gosto. Uma galera que também faria coro pra Chicos Césars, Buarques e Science's. Aplaudiria o “amaldiçoado” Belchior. Um público massa, talvez muito semelhante ao d’A Massa, do Raimundo Sodré. Uma patota daquelas que, sem hesitar, cantaria junto e misturado ao Taiguara e ao Veloso dos tempos de Tropicália. Lógico que a praça daqui seria pequena, se a galera tivesse de curtir a Elis Regina prometendo que “É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dá!”

Rapaz!... No palco nada dividia o foco!

O conjunto musical de Lenine é montado preferencialmente em cordas. Guitarras, violões e bandolim. O som sai dos instrumentos elétricos e de microfones pro vocal de cada instrumentista. A percussão é de primeiríssima, Bel da Bonita... E a coreografia, onde está ela? A dita cuja, Angelim, parece até ser “recatada e do lar” Não se mostra nua. Mas mesmo discreta num escanteio do palco é perfeitamente ungida.

Ela resplandece repetitivamente nos tons vocais ou em seguidos acordes instrumentais do Lenine durante todo o show. Véi, ele tem uma coordenação de movimentos com os figurantes da banda eficientíssimos. Até a iluminação é programada, prorroga-se nos acordes esticados. Põe por terra o velho malabarismo americano como recurso de dar vida ao palco. No show de Lenine o recurso coreográfico está no espetáculo da harmonia do conjunto. O foco é o intérprete. Ele e o seu som, claro.

Rapaz, cadê a batera?

Óia só pralí, Nani! “Pra donde mesmo, pro palco?” – pergunta ela, e logo ouve: ‘Pra jaula, pro nicho, pra ilha!’ – gritam Igor, Lorena e Teo, os três simultâneos apontando o octognal de vidro. Um cercado? Um abafador de som da pancadaria? Ou será um protetor de aparelhos de fino trato? Angelim, em verdade, em verdade te digo: aquilo, meu caro batera, é uma redoma que, querendo ou não, põe em destaque quase absoluto o baterista. Do que rola de novo na produção de eventos, aquele curral pode ser pura técnica da engenharia de som. Pode ser. Mas, insisto em subverter: aquela redoma de vidro é, antes, um santuário pra qualificar o que vem do batera...

Tás doido, moço! É teu sonho, brother!

Especulo sobre a função da ilha transparente e descubro mais. Muito mais. Além do baterista, o que está dentro daquele grande vaso translúcido é encantador. Bombos, pratos, caixas, vassourinhas, pedaleiras, microfones, o escambau... Roqueiros como tu, de guetos, jardins, periferias ou palácios, uníssonos exclamariam: fodástico! Um conjunto de peças luminosas de última geração... Sofisticadas para a execução de percussão e bateria de uma banda pós-moderna. Que pancadaria descomunal! Nem mesmo a do The Machine parece igual – alguma dúvida Renato Souza? Com certeza, um sonho de consumo incontido em tu, Guilhermino Angelim. Posto a foto da magnífica no teu perfil, no da Distrito 87, até nas asas do cão de calçolão, se quiseres...

Tu sabes quem pode curtir? É a torcida tricolor e os fissurados nesses instrumentos, tipo Flaviano Galo, Cadú Iago, Vini Melo, Vinícius Barros,Jamerson Ravanne, Valter Head, Débora Rodrigues, Djonata Campos,Jacira Sa, Vinicius Vieira, Vitor Souk, Lamarque Castro, Kleyde Lessa.. E curtidas de puxa sacos de um bom som: Matheus Quadros, Rodrigo Estevão, Rafaela Cardoso, Marianna Braghini, Isa Gonça, Edson Freitas,Cleber Silva, Carlos Silveira, Jorge Lima, Carlos Nascimento, Benjamim Souza, Bruno Evangelista, Geane Teixeira, Cesar Nilton, Eliane Felix,Renildo Ivo, Jailton Dos Santos, Acucenasilva, Nailson Chaves, Eduardo Roberto, Eduardo Marcelino, Aline Barbosa de Britto, Augusto Paula,Laísa Melo, Emmanuel Gomes, Val Ferreira, Glauco Ludwig, Teógenes Teles,Adauto Oliveira, Luiz Bamberg... Lenine tomou dois goles d’água (?) e eu um caldo de sururu (?)! Paciência, depois eu conto.

*Matéria de Britto Jornalista  (Antonio Britto)

Antônio Britto