Ao deixar o país, o imperador Pedro I selecionou três pessoas (José Bonifácio, “Dadama” Condessa de Belmonte e Rafael) para cuidarem de seu filho e das filhas remanescentes, uma das pessoas escolhidas foi Rafael, um veterano negro da Guerra da Cisplatina.
Rafael era um empregado do paço de São Cristóvão (não era escravo) em quem Pedro I possuía profunda confiança e lealdade, pedindo que olhasse por seu filho, um olhar mais carinhoso e paternal — pedido que levaria a termo pelo resto de sua vida.
Rafael, o Anjo Negro de Pedro II.
Rafael, negro veterano da Guerra da Cisplatina, foi encarregado de cuidar de Dom Pedro II, então de tenríssima idade pelo seu pai o Imperador Dom Pedro I, quando este regressou a Portugal em 1831.
Rafael, foi mandado vir em 1831 do Sul, Pedro I conhecia-o bem. Foi um protetor incansável e extremamente abnegado de Pedro II ainda menino.
Dormia no mesmo quarto, evitava que o Imperador chorasse ou se assustasse “com medo das almas de outro mundo” e outras fantasias tão próprias da solidão, em que prevaleciam estudo áridos, religião, serões insípidos e jogos de mesa silenciosamente praticados – era a educação principesca!
Nisso relata-nos Benedito Freitas:
“Incumbido da guarda e proteção de Dom Pedro II ainda em tenra idade (5 anos), foi de uma dedicação tal que, até determinadas atribuições das Damas, ele as executava com desembaraço e plena eficiência.
Dava-lhe os banhos habituais tendo todo o cuidado com a temperatura da água, bem morna sem ser quente, mudava-lhe a roupa e cobria na cama, cabeça de fora, a bela criança pedia ao seu Anjo Negro para contar histórias e outras coisas em que era fértil seu leal servidor.
Certo dia ainda na época que Dona Leopoldina era viva, ficou enternecida ao contemplar Rafael aquecendo a mamadeira do Menino-Imperador.
Quando Dom Pedro II não sabia a lição, corria para Rafael pedindo-lhe para o esconder, embora fosse condicionado sempre, que seria a “última vez” ….
Mais tarde Dom Pedro II ensinou Rafael a ler, escrever, falar francês e inglês.
Por muito tempo Rafael foi 1º Criado Particular do Imperador e em todas as viagens, mesmo ao estrangeiro, o acompanhou de perto.
A única presença não masculina de tanta cumplicidade era a Condessa de Belmonte, chamada sempre carinhosamente de “Dadama”.
A figura quase lendária de Rafael é amplamente descrita no belo livro de Múcio Teixeira, que foi comensal do Imperador por mais de trinta anos, “O Negro da Quinta Imperial”.
Rafael contava com 98 anos quando Dom Pedro II foi deposto.
O “Anjo Negro” do Imperador ignorava o doloroso episódio da prisão do seu menino.
Múcio conta a cena da comunicação ao leal macróbio, nas seguintes linhas: “Manhã sombria.
Uma chuva miúda caíra pela madrugada do dia 16 de novembro de 1889.
As vastas alamedas da Quinta Imperial estavam desertas….
Rafael, mal raiara a aurora, abandonou seus aposentos, nos baixos do torreão sul, e, muito tremulo, amparado por um rijo bastão, deu início ao seu passeio habitual.
Velho e cansado, passara o dia anterior preso ao leito, ignorando que a República havia sido “proclamada” no Brasil.
Vagarosamente caminhava, ouvindo o gorjeio dos pássaros e contemplando, com olhar nostálgico, os lagos sonolentos.
Fitava também os bosques sombrios e admirava a Natureza exuberante.
Quantas daquelas árvores gigantescas ele vira nascer, florir e envelhecer!
Caminhava e meditava, olhando também para o passado, para a sua longínqua mocidade!
Quantos sonhos desfeitos!
“Como é triste envelhecer!”
– murmurava o velho pajem imperial.
Ao chegar ao portão da Coroa, já ofegante, observou com espanto dois soldados que davam “vivas a república”!
Sempre meditando, lentamente regressou ao Paço.
Ao aproximar-se do solitário Palácio Imperial, viu o bibliotecário Raposo muito agitado, com cabelos revoltos, andando de um lado para outro lado…
Rafael, muito cansado, curvado e tremulo, sempre amparado pelo seu bastão, dirigiu-se ao bibliotecário do Paço e interrogou-lhe:
“Seu Raposo, você enlouqueceu?”
Parando diante do Rafael, o Raposo, como louco, bradou:
“Rafael, tu não sabes que ontem foi proclamada a República e que teu “menino” está preso no Paço da Cidade??”.
Rafael, atordoado, deixou cair o forte bastão de ouro e jacarandá, no qual a vinte anos se apoiava seu débil corpo;
curvado, ergueu-se, cresceu…
O seu olhar morto e nostálgico, transfigurou-se, como que iluminado por clarões estranhos.
Levantou o braço direito para o céu e exclamou com voz comovente e sonora:
“Que a Maldição de Deus caia sobre a cabeça dos algozes do meu Menino!”
E em seguida rolou por terra: estava morto.”
No mesmo momento em que o navio Alagoas cruzava a baía de Guanabara com seu menino e toda família imperial ...
Ele faleceu aos seus 99 anos em um simples desmaio.