Samba de lata de Tijuaçu
Há dez anos eu estive por algumas vezes na comunidade quilombola de Tijuaçu, no sertão baiano. O povoado existe há duzentos ou trezentos anos, segundo a história oral de seus moradores. Hoje, com uma população que ultrapassa dois mil habitantes, a comunidade trava uma batalha hercúlea contra a burocracia do Estado para ter o domínio de seu território. E no centro do direito ao território se ergue uma história antiga para justificar sua presença no local. A ancestralidade negra é evocada a partir de uma personagem quase mítica, Mariinha Rodrigues, uma mulher escravizada que deixou a capital para fundar um povoado a quatrocentos quilômetros de distância, no coração do sertão baiano. Essa história foi contada inúmeras vezes por seus descendentes, e uma das interlocutoras a recontá-la foi a antropóloga Patrícia Navarro, que escreveu um belíssimo relato para o processo que trata da regularização da terra de Tijuaçu.
Uma comunidade quilombola nos rincões do país faz da memória e da oralidade o seu patrimônio mais poderoso, enquanto nós depositamos nossa história em museus, arquivos e bibliotecas. Suas narrativas de vida e morte são passadas aos descendentes, certamente, com uma rica e vigorosa imaginação, que acrescenta ou suprime informações ao sabor do tempo e das necessidades. A história de Alma surgiu da lacuna dessa jornada sobre-humana empreendida por Mariinha Rodrigues e sobre a qual não se tem muitas informações. Se fala sobre sua condição de escravizada antes de deixar a capital, sobre a travessia a pé até o Sertão e a fundação do povoado que resiste até nossos dias. Mas ninguém narra sobre o que motivou Mariinha a realizar aquela viagem sem rumo, o que encontrou pelo caminho e o que poderia ter sentido em seu íntimo enquanto caminhava.
Por Itamar Vieira Júnior, autor do livro Torto Arado
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Texto extraído da resenha "O incêndio que destruiu o Museu Nacional, a face e a alma de Luzia", publicada na revista SP Review
Imagem: Outrora invisibilizada, a imagem desse ícone da história bonfinense foi retratada pelo artista plástico Eli de Castro, que também trabalha como professor de Artes na Comunidade Quilombola de Tijuaçu. A obra elaborada através da técnica Grafite sobre papel Canson, fez parte do projeto "Olhares Invisíveis", contemplado pelo Prêmio Funarte Descentrarte em 2020.
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