segunda-feira, 1 de novembro de 2021

TIJUAÇU >>>Comunidade Quilombola, no Sertão baiano

 


Samba de lata de Tijuaçu 

Samba de lata de Tijuaçu 



Há dez anos eu estive por algumas vezes na comunidade quilombola de Tijuaçu, no sertão baiano. O povoado existe há duzentos ou trezentos anos, segundo a história oral de seus moradores. Hoje, com uma população que ultrapassa dois mil habitantes, a comunidade trava uma batalha hercúlea contra a burocracia do Estado para ter o domínio de seu território. E no centro do direito ao território se ergue uma história antiga para justificar sua presença no local. A ancestralidade negra é evocada a partir de uma personagem quase mítica, Mariinha Rodrigues, uma mulher escravizada que deixou a capital para fundar um povoado a quatrocentos quilômetros de distância, no coração do sertão baiano. Essa história foi contada inúmeras vezes por seus descendentes, e uma das interlocutoras a recontá-la foi a antropóloga Patrícia Navarro, que escreveu um belíssimo relato para o processo que trata da regularização da terra de Tijuaçu.


Uma comunidade quilombola nos rincões do país faz da memória e da oralidade o seu patrimônio mais poderoso, enquanto nós depositamos nossa história em museus, arquivos e bibliotecas. Suas narrativas de vida e morte são passadas aos descendentes, certamente, com uma rica e vigorosa imaginação, que acrescenta ou suprime informações ao sabor do tempo e das necessidades. A história de Alma surgiu da lacuna dessa jornada sobre-humana empreendida por Mariinha Rodrigues e sobre a qual não se tem muitas informações. Se fala sobre sua condição de escravizada antes de deixar a capital, sobre a travessia a pé até o Sertão e a fundação do povoado que resiste até nossos dias. Mas ninguém narra sobre o que motivou Mariinha a realizar aquela viagem sem rumo, o que encontrou pelo caminho e o que poderia ter sentido em seu íntimo enquanto caminhava.


Por Itamar Vieira Júnior, autor do livro Torto Arado


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Texto extraído da resenha "O incêndio que destruiu o Museu Nacional, a face e a alma de Luzia", publicada na revista SP Review


Imagem: Outrora invisibilizada, a imagem desse ícone da história bonfinense foi retratada pelo artista plástico Eli de Castro, que também trabalha como professor de Artes na Comunidade Quilombola de Tijuaçu. A obra elaborada através da técnica Grafite sobre papel Canson, fez parte do projeto "Olhares Invisíveis", contemplado pelo Prêmio Funarte Descentrarte em 2020.

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