Por
José Gonçalves do Nascimento
Parece
de bom alvitre trazer à discussão a data do 28 de maio, que habitualmente é
festejada, como se fosse a da emancipação política e administrativa do
município de Senhor do Bonfim.
Ora,
a emancipação de Senhor do Bonfim ocorreu quando o antigo Arraial da Tapera foi
elevado à condição de vila, dando origem a Villa Nova da Rainha, desmembrada da
Vila Velha de Jacobina. Isso se deu em 1º de outubro de 1799, conforme o Auto
de criação e instalação da referida vila, transcrito por Lourenço Pereira da
Silva, no livro: Memória Histórica e Geográfica sobre a Comarca do Bonfim.
Bahia: Typografia Reis & C., 1915, pp. 81-82. Lê-se no memorável Auto: “Ano
do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e noventa e nove,
primeiro dia do mês de outubro do dito ano, neste arraial do Senhor do Bonfim
da Tapera e casa onde se acha aposentado o doutor José da Silva Magalhães,
desembargador de sua Majestade Fidelíssima (...) donde eu escrivão de seu cargo
no adiante nomeado me achara, e sendo aí mandou vir a sua presença e nela
ajuntar por anteriores pregões dados em voz alta por todo o arraial, pelo
porteiro Francisco Dias da Silva, a nobreza do povo não somente do arraial, mas
também de toda a freguesia, e sendo presentes lhes propôs que ele se achava
autorizado em nome da sua Majestade Fidelíssima pelo Governador Capitão General
da cidade da Bahia, dom Fernando José de Portugal, para a criação da Vila que
se mandara estabelecer nesse mencionado arraial, em virtude da representação do
povo”.
Como
parte desse processo, foi criada também a Câmara de Vereadores, órgão máximo da
administração municipal, tanto na Colônia como no Império. Era a Câmara que
garantia a autonomia do município. A ela cabia o duplo ofício de legislar e de
administrar a cidade. Foi assim desde os primórdios da história do Brasil até a
proclamação da República, quando surge a figura do intendente ou prefeito, que
passa a assumir a tarefa administrativa, como chefe do executivo municipal.
Além da Câmara de Vereadores, dita vila foi dotada também de juiz ordinário,
juiz de órfãos e procurador.
Ali
estava consolidada, de uma vez por todas, a autonomia política e administrativa
de Senhor do Bonfim, em que pese o Brasil achar-se ainda sob a tutela da coroa
lusitana.
O
que efetivamente ocorreu em 1885, quase 100 anos depois daquele histórico acontecimento,
foi a elevação da vila ao status de cidade – o que nada mais era do que
um título honorífico – não acrescentando, no caso em apreço, outra coisa de
substancial, afora a mudança de nome da comuna, de Villa Nova da Rainha para o
“auspicioso” Senhor do Bonfim. Fora disso, a cidade continuaria a mesma, com a
mesma estrutura político-administrativa de um século atrás.
Lembro-me,
a propósito, de trecho do romance histórico O Tempo e o Vento, de Érico
Veríssimo, em que diante da notícia de que a vila de Santa Fé seria
transformada em cidade, o capataz Fandango diz ao líder local, Licurgo Cambará:
“A Assembleia resolveu que agora Santa Fé é cidade. Todo mundo fica louco, a
festança começa, é sino, viva e foguete. Mas me diga, cambiou alguma coisa?
Nasceu alguma casa nova, alguma rua nova, alguma árvore nova só por causa do
Decreto? Não. Pois é...”.
As
indagações do personagem do romance gaúcho não seriam aplicáveis também a
Senhor do Bonfim?
É
válida e até imperiosa, a comemoração do 28 de maio, contanto que não se fuja
do significado da data. Não é razoável e poderá causar sérios danos à memória
histórica de Senhor do Bonfim a celebração do tal dia como se fosse o da
emancipação da próspera e hospitaleira Terra do Bom Começo. Urge, então, a bem da
verdade, que se corrija o grave equívoco e a escola é o espaço ideal para se
encetar essa indispensável empreitada.
É
igualmente necessário que se inclua o 1º de outubro no calendário local de
comemorações, fixando a data como referência maior da luta pela independência
política do Município e garantindo à mesma toda a solenidade que lhe é
devida, por força da sua importância cívica, histórica e cultural.
Desta
forma, estaremos fazendo justiça à história de Senhor do Bonfim e ao mesmo
tempo contribuindo para a valorização e reconhecimento a todos aqueles e
aquelas que, de alguma forma, colaboraram com a construção e engrandecimento
desta terra que foi, é e será o orgulho da Bahia.
Postado por: Luiz Bamberg
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