*Maraísa Santana
Estamos no fim do ano e o momento é de festas e
confraternizações, mas também é momento de reflexão sobre o que passou no ano
que se finda e as perspectivas do que virá no ano que está chegando, levando as
pessoas, as empresas e as instituições ao corre-corre frenético para encerrar o
ano com as contas no seu devido lugar, porque repetem o mau hábito de deixar
tudo para a última hora.
Esse mau hábito aparece com força no âmbito da administração pública,
como lembra o juiz e professor de Direito Financeiro da USP, Maurício Conti, em
comentário publicado na Revista Eletrônica Consultor Jurídico, em recente
edição (17.12.2013), sob o título “O Final de ano, as dívidas e os restos a
pagar”.
Com esse mau hábito, muitos pagamentos que deveriam ser
feitos ao longo do ano que se finda são deixados para o ano seguinte,
criando-se, no âmbito da gestão pública, o que tecnicamente conhecemos por
“restos a pagar”, que é um comprometimento da gestão em pagar despesas
empenhadas durante o ano que se finda somente no ano seguinte.
É claro que essa prática termina onerando o orçamento do ano
que vai começar, o que revela a desordem administrativa-financeira da
administração pública, que foi incapaz de gerir o orçamento elaborado e
planejado de acordo com as previsões contidas no PPA-Plano Plurianual e na
LDO-Lei de Diretrizes Orçamentárias.
É comum ouvirmos gestores desorganizados e desplanejados
justificarem o não pagamento de contas previstas no orçamento que foi (em tese,
no papel) planejado, por causa da tradicional “queda de receita”, que na
verdade não ocorre, porque, todo ano o orçamento é maior do que o do ano
anterior, o que se confirma pelos registros de arrecadações anuais.
O que acontece não é a decantada “diminuição de receitas”,
como apregoam os maus gestores, e sim, a flagrante desobediência deles aos
princípios constitucionais regedores da administração pública, quais sejam:
LEGALIDADE, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE, EFICIÊNCIA,
TRANSPARÊNCIA, entre outros.
Desobedencendo a Lei de Finanças Públicas (Lei 4.320/64) e a
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar à Constituição nº 101/2000) e
outras normas de controle da gestão pública, esses maus gestores terminam
descumprindo esses princípios constitucionais regedores da administração
pública, descumprindo o que foi estabelecido no orçamento anual e recorrendo a
esse instrumento contábil-financeiro denominado “restos a pagar”.
Evidentemente, se esse instrumento é legal (autorizado por
lei), compreende-se o seu uso moderado, porque vem em socorro da administração
pública que sofreu as conseqüências de algum fato inesperado, imprevisível e
que não foi possível honrá-lo no ano que se finda, não podendo, pois, tornar o
seu uso abusivo, como se registra na grande maioria das gestões públicas.
Esquecem os maus gestores que a sua desordem financeira, a
sua deliberada vontade de descumprir planejamentos resulta de desrespeitos aos
princípios constitucionais regedores da gestão pública, levando esses maus
gestores a contratar pessoal em demasia, notadamente pessoas de seu interesse
pessoal ou do interesse pessoal de seus correligionários, cabos eleitorais e
vereadores que lhes dão sustentação política (o pessoal do “amém”), sem
concurso público e sem necessidade, causando verdadeiro inchaço nos quadros de
pessoal, com repercussão nas despesas desse gênero, ultrapassando os limites
prudenciais fixados em lei.
Para evitar o descontrole das contas públicas os legisladores
têm procurado impor algumas limitações para evitar que dívidas contraídas em um
ano sejam empenhadas em “restos a pagar”, porque isso compromete o orçamento do
ano seguinte, que já começa a sua execução com esse comprometimento, situação
que exige o aperfeiçoamento da legislação relativa às finanças públicas.
Nesse sentido há em tramitação no Congresso Nacional um
projeto de lei que tem o objetivo de substituir a atual Lei de Finanças
Públicas, a Lei nº 4.320/64, melhorando a regulamentação para os “restos a
pagar”, evitando-se os indesejáveis efeitos de uma anualidade orçamentária
rígida, causadora das já citadas ineficiências na gestão financeira das
instituições públicas,
O certo é que, como observa o Juiz Maurício Conti, no
comentário referido, “a administração pública e o sistema orçamentário precisam
se adaptar aos novos tempos, e muito há que se fazer”.
De qualquer forma, a cultura arraigada que prevalece muito
viva e forte entre os nossos gestores públicos, na sua maioria, maus gestores,
é a de que podem descumprir princípios e normas regedoras da gestão pública,
porque impera a impunidade e dificilmente alguém é punido com rigor por isso.
Deveria existir um dispositivo que garantisse a possibilidade
de “prisão preventiva” para os maus gestores que descumprissem as leis
regedoras da administração pública, e, consequentemente, a perda dos seus
direitos políticos por muitos anos, inclusive, com perda imediata do mandato
que exercem, para que esses maus gestores fossem eliminados da vida pública.
Deixar “restos a pagar” inscritos para cumprimento com recursos
do orçamento do ano seguinte, segundo a legislação existente, somente é
possível se o gestor deixar recursos do orçamento do ano que se finda
garantindo essas dívidas. Mas, infelizmente, os maus gestores continuam
inscrevendo valores vultosos em “restos a pagar”, sem recursos suficiente que
lhes garantam o cumprimento da obrigação e isso, no máximo, lhe dá uma rejeição
de contas, quando deveria lhe dar uma pena de prisão.
Aí, sim, o dinheiro público seria tratado com seriedade.
*Maraísa Santana é advogada, especializada em Direito Público Municipal
com Habilitação para o Ensino Superior de Direito, integrante do Escritório
SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba)
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