O imigrante ou aquele que vive em país estrangeiro
está sempre a buscar na terra que o acolhe referências deixadas no além-mar. É
a natural tentativa de manter a todo custo o enraizamento cultural que nos faz
ser nós mesmos, onde plantamos o nosso ser. Negar esse enraizamento é
condenar-se à morte ou à frustração intermitente. Esta busca de enraizamento se
externa, a cada minuto, na necessidade também repetida de comparar, de fazer analogias,
de experimentar na carne a famosa percepção do poeta alemão Holderlin, segundo
quem “quando tenho um, falta-me o outro”. E embora a cortesia francesa nos
advirta que “toda comparação é odiosa”, somos empurrados a colocar na balança
experiências e vivências que se
entrelaçam e nos fazem colocar em tênues fronteiras o já-vivido e o que se
apresenta como novo. Mas, sem dúvida alguma, neste uso da balança o prato
do passado, ou daquilo que nos pertence no abraço da própria cultura, sempre
pesa mais. Fernando Pessoa torna-se então redivivo, pois definitivamente,
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
É neste quadro de análise e reflexão que algumas vezes me dirijo à mais famosa feira de Montreal, o
“Marché Jean Talon”, ou Feira Jean Talon. Trata-se de uma feira diária, mas que
cresce e ganha maior movimento aos sábados e domingos. E o que ali mais me
chama a atenção? – Sem dúvida alguma duas coisas se destacam ao nosso olhar: a
ordem, a disciplina, na organização e venda dos produtos e o esforço permanente
em ligar a produção ali comercializada ao meio ambiente e à “qualidade” local do que produz.
Sinto falta, é claro, do
barulho, do grito, da “desorganização” da minha feira bonfinense. Aqui tudo é
muito certinho demais, muito milimetrado, nunca encontrei alguém vendendo nada
no meio do povo, onde as pessoas circulam, cada um fica bem comportado em seu
canto e nem mesmo se chama o freguês para comprar. Confesso que ao circular em
suas alas, sinto um relativo tédio e me lembro do barulho gostoso, do “frisson”
provocado pela convivência com o clima que torna vivo e interessante o ato de
andar na feira, de transformá-la em um passeio e, entre falas e gritos, comprar alguma coisa.
O segundo elemento que salta
aos nossos olhos é a força com que se desfraldam a bandeira do meio ambiente e a
bandeira azul do Québec, nos argumentos usados
pelos vendedores. Os ovos, as frutas, os legumes, os queijos, os peixes, as
carnes são sempre “orgânicos” ou “produtos
biológicos”, “produtos nossos, aqui do Québec”. E eles insistem: “são uma
produção nossa, não é qualquer boi, é um boi orgânico”. E vejo em um quiosque ovos embalados em
rótulo verde e chamativo: “galinhas criadas em liberdade”, uma réplica das
nossas galinhas caipiras ou de terreiro.
Se me perguntarem qual das
duas feiras eu prefiro, escolho sem dúvida a minha feira de Senhor do Bonfim.
Mas que ganharia um sabor ainda mais especial se cada feirante, ao oferecer o
seu produto, o marcasse com a força de nossa terra, do suor de nossa gente,
acrescentando o que se ouve a todo tempo dos feirantes montrealenses: “não é um
feijão qualquer... uma farinha qualquer...uma
galinha qualquer... uma banana qualquer. São produtos nossos, são produtos de
Senhor do Bonfim”.
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Paulo Machado
Montreal, 09-03-2014
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