A tese adotada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), no último
dia 25/02/2015, aceitando argumentos de um ex-vereador do Município de
Tremembé, São Paulo, que foi condenado pela Justiça de São Paulo por usar
palavras consideradas “impróprias” durante uma sessão
legislativa na Câmara daquele Município, em 2001, agitou grande parte dos
parlamentares municipais no Brasil, por acreditarem que, com essa decisão,
poderiam utilizar palavras ofensivas no exercício do mandato, porque não
poderão ser processados.
Essa interpretação equivocada foi alimentada pelos títulos de
matérias postadas em BLOGS e outros meios de comunicação, a exemplo do que
anunciou a decisão com o seguinte título: STF DECIDE QUE VEREADORES NÃO PODEM
SER PROCESSADOS AO EXPRESSAR OPINIÃO.
A Assessoria de Imprensa do STF, por sua vez, divulgou “release”
à imprensa com o seguinte título: DECLARAÇÕES DE VEREADOR TÊM IMUNIDADE DENTRO
DO MUNICÍPIO, DECIDE STF.
A decisão do STF se deu ao julgar Recurso Extraordinário (RE
600063) interposto por ex-vereador de Tremembé (SP), que numa certa sessão da
Câmara do seu Município, utilizou palavras ofensivas contra um de seus colegas,
depois que a Justiça Paulista lhe condenou por danos morais.
Como existiam outras decisões semelhantes à de São Paulo em
tramitação nas instâncias superiores de justiça do país, o STF julgou o caso em
caráter de REPERCUSSÃO GERAL, isto é, a decisão vale para o julgamento dos
demais casos em tramitação em qualquer instância judicial.
A decisão da Suprema Corte não apresenta novidade em relação
ao que impõe o texto constitucional sobre o assunto, porque está bem claro no
art. 29, que o Município será regido pela sua Lei Orgânica, desde que seja
observado os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e na Constituição do respectivo Estado e vários preceitos inseridos
nos incisos I a XIV, dispondo o inciso VIII, da Constituição Federal,
especificamente sobre a “inviolabilidade dos Vereadores por suas
opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do
Município”.
É aí que reside a interpretação equivocada daqueles que
imaginam que o vereador está plenamente imune de responsabilização penal e
civil por suas opiniões, palavras e votos, porque despreza a parte final das
disposições contidas no inciso VIII, do art. 29, da C.F/1988, deixando de
observar que há, entretanto, restrições, o que torna a imunidade relativa (ou
restritiva) e não absoluta (ou irrestrita), quando restringe a imunidade por
opiniões, palavras e votos apenas “no exercício do mandato e na circunscrição
do Município”.
No caso do ex-vereador de Tremembé (SP), as ofensas foram
dirigidas a um colega, durante o debate travado sobre matéria em tramitação na
Câmara em que os dois divergiam, caracterizando, assim, o exercício da
atividade parlamentar, portanto, encontrava-se o ofensor “no exercício do mandato” e
na circunscrição do Município, porque proferiu as palavras ofensivas ao colega,
em sessão da Câmara, cuja casa está situada na sede Municipal, portanto, no
digamos, coração do Município.
O ex-vereador de Tremembé (SP) teria desrespeitado as
limitações que o inciso VIII do art. 29, da C.F/1988 impõe aos vereadores, se
as ofensas fossem proferidas em situações alheias ao “exercício do mandato” e
fora da “circunscrição do Município”, o que, efetivamente, não ocorreu.
Se as ofensas proferidas tivessem transmissão radiofônica que ultrapassasse os
limites do Município, mesmo falando dentro da Casa Legislativa e sobre matéria
do interesse da municipalidade, o vereador estaria desrespeitando o inciso
VIII, do art. 29, da CF/1988.
E apesar das ofensas terem sido fortes, o que levou alguns
ministros do STF a lamentarem o uso de palavras consideradas “impróprias”,
a decisão deixou claro que o comportamento do ofensor deve estar submetido à
punição do próprio Poder Legislativo a que pertence, porque toda Casa
Legislativa deve dispor de um Código de Ética que impõe limites à atividade do
parlamentar, justamente para que ele não se sinta absoluto e que a sua
imunidade não se caracterize como “irrestrita”.
É que vivemos no Brasil, desde a promulgação da Constituição
Federal de 1988, num ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, onde todos, sem exceção, e,
“sem
distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput, da CF/1988), são
iguais perante a lei e somente a lei poderá impor limites ao cidadão, para
evitar que as pessoas sejam submetidas a vontades e caprichos pessoais.
A Emenda Constitucional nº 35/2001, alterou a redação
original do art. 53, da CF (“deputados e senadores são invioláveis por
suas opiniões, palavras e votos”), que fazia crer que os congressistas
estavam livres das limitações impostas aos vereadores, já que o inciso VIII, do
art. 29, da CF estabeleceu os limites das opiniões, palavras e votos dos edis, ao
“exercício
do mandato” e na “circunscrição do Município”,
passando a nova redação a vigorar da seguinte forma: “deputados e senadores são
invioláveis penal e civilmente por suas opiniões, palavras e votos”.
Resssalte-se que o Pleno do STF, como lembra Alberto
Zacharias Toron (in Inviolabilidade
Penal dos Vereadores, São Paulo, SP, Saraiva, 2004, p. 298), julgando em agosto
de 2002 o Inquérito 1.344-DF, reiterou que “as manifestações sobre matéria alheia ao
exercício do mandato não estão abrangidas pela imunidade material dos deputados
e senadores prevista na nova redação dada pela Emenda Constitucional 35/2001 ao
art. 53 da CF”.
Por sua vez, o atual vice-presidente da República, Michel
Temer, com a autoridade de professor de Direito Constitucional e ex-Presidente
da Câmara dos Deputados, escrevendo após a promulgação da referida emenda
constitucional, é taxativo ao dizer que “o parlamentar, diante do Direito, pode agir
como cidadão comum ou como titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não
é coberto pela inviolabilidade”, acrescentando que “a inviolabilidade está ligada à
idéia de exercício de mandato. Opiniões, palavras e votos proferidos sem
nenhuma relação com o desempenho do mandato representativo não são alcançados
pela inviolabilidade”.
Alberto Silva Franco (in Elementos de direito constitucional,
São Paulo, SP, Ed. Malheiros, 18ª Ed., 2002, p. 129), lembra que “um
dispositivo constitucional não pode ser analisado isoladamente, como algo que
tenha vida própria porque, não raro, tal entendimento enseja conflito”,
explicando que “uma Constituição que consagra um Estado democrático de Direito e
assegura a todos o princípio da igualdade e considera inviolável a honra das
pessoas, não pode, realmente, admitir a existência de uma casta de
privilegiados que possam, desigualmente, sem consequência de qualquer ordem,
atentar contra a reputação, a dignidade ou o decoro de outrem”.
E nessa linha de raciocínio Manoel Alceu Afonso Ferreira (in
Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, vários autores, São Paulo,
SP, Ed. Revista dos Tribunais, 6ª ed., v. I, t. I, p. 110), comentando sobre a AMPLITUDE
DA INVIOLABILIDADE PARLAMENTAR (O Estado de São Paulo, 26/11/1989, p. 47),
observou que “a mesma Constituição que guardou a inviolabilidade parlamentar não
se esqueceu de guardar a igualdade de todos sob o império da lei”, sem
distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput, da CF/1988), não esquecendo,
também, de consignar serem “invioláveis” diversos valores humanos,
entre eles a “honra” (art. 5º, inciso X, da CF/1988).
Equivocaram-se, portanto, aqueles vereadores que vibraram com
a decisão do STF (houve casos em nossa região de discursos inflamados de
vereadores comemorando a prerrogativa), acreditando que a partir dessa decisão
poderiam dizer o que bem entenderem, porque não serão processados.
Ledo engano!
*Josemar Santana é jornalista e advogado, especializado em Direito
Público, Direito Penal e Direito Eleitoral, integrante do Escritório SANTANA
ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba).
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