domingo, 20 de abril de 2025

Filhos do Calvário

     


Imagem ilustrativa


Dificilmente os cristãos dos tempos modernos poderão penetrar os meandros daqueles dias apostólicos. Logo após a despedida do Senhor dos círculos escuros da vida terrestre, onde a cruz representara as duas asas com que se alara ao infinito, a comunidade daqueles doze homens se fizera temerosa da reação farisaica, cogitando do pior.

Jerusalém era uma metrópole tomada de interesses materiais, conflitantes entre si para abrigar a mensagem do Divino Embaixador com a pureza de que ela se revestia. Surge, então, a inspiração do alto para que velha residência, na estrada poeirenta de Jope, se faça o primeiro núcleo nascente das novas ideias. Sob a liderança de Simão Pedro, o grupo adquire a choupana humilde e inicia o serviço de atendimento aos filhos do calvário. Dentro de suas tábuas velhas e corroídas, cobertas por palha de palmáceas locais, os desalentados e tristes encontraram acolhimento e solidariedade, que a comunidade judaica de Jerusalém se recusava a proporcionar.

A conversão do doutor da lei Saulo de Tarso foi de capital importância, facultando que a mensagem varasse as fronteiras do mundo judeu, alcançando comunidades na Síria, na Grécia e em Roma, amplificando as claridades do Evangelho nascente.

As carências materiais eram chocantes, mas o que surgia por doação ou era adquirida pela prestação de serviço era de imediato incorporada na manutenção e socorro dos aflitos de qualquer procedência.

O olhar refletia uma alegria desconhecida. Os sentimentos da alegria pura tornavam aquele punhado de homens e colaboradores anônimos uma verdadeira família, favorecendo a criatividade na busca de recursos com que abasteciam a dispensa humilde de víveres para a multidão sempre crescente de famintos e carentes.

As curas inesperadas produziram impacto profundo em muitos desenganados, que ali aportaram já desiludidos com a medicina precária daqueles dias, mas ante a carne enfermiça, renovada pelo toque da fé pura, muitos se deixaram ficar como voluntários da obra nascente, auxiliando a outros muito mais necessitados.

Esse padrão moral e espiritual se diluiu na história, praticamente se desconhecendo na atualidade dos tempos como eles conseguiram se manter unidos e devotados ao ideal de Jesus.

Em pleno século das luzes e da cultura farta, onde facilidades tecnológicas e de transporte se fazem abundantes e acessíveis, em muitos corações esfriou o entusiasmo pelas renúncias e pelo devotamento ao trabalho filantrópico, não remunerado, onde cada um pode ofertar o tempo que lhes sobra entre o ganha pão material e os deveres de família.

A multidão de esfaimados permanece tão grande quanto naqueles dias. Se presentemente as gôndolas e armários de empórios e armazéns exibem a fartura de alimentos, em incontáveis criaturas os recursos minguaram no bolso e nas carteiras, impossibilitando a aquisição de nutrientes suficientes para manutenção da dignidade da sobrevivência.

O fantasma da fome ronda e assombra os tempos da abundância. Safras recordes a cada ano e milhares de indivíduos na indigência mais vergonhosa. Tecnologia de ponta e analfabetos por toda parte. A medicina apresenta a cada momento impressionantes avanços nesse ou naquele setor, socorrendo a carne em decomposição ou restaurando órgãos em deficiência, seja pela intervenção cirúrgica ou pelo transplante de um tecido doado, mas as casas de saúde não conseguem dar conta do bloco dos ansiosos, dos deprimidos de todo jaez e das calamidades dos sentimentos.

Onde uma casa se erga, patrocinando a caridade sem pagamento, em breve a fila dos deserdados se acotovela em desespero crescente, onde cada um porta uma súplica sem resposta do mundo. E nunca a fonte de manifestação da misericórdia de Deus secou, impedindo o acesso dos passageiros do comboio das agonias aos inesgotáveis mananciais da bondade excelsa. Faltam braços dedicados, escasseiam corações abnegados e incontáveis servidores exigem condições de trabalho, como se estivessem na chefia da obra de amor e não como voluntários ao chamado do Mestre inesquecível.

Onde o interesse argentário prevalece, a caridade esfria.

Permanece o mundo cheio de necessidades e carência, nesses tempos dentro de características da subjetividade, não visíveis, mas profundamente dolorosas e amargas, mas a cada instante o cristão decidido a adotar Jesus como seu modelo e guia encontra mil motivos de servir e auxiliar na própria estrada, se fazendo cirineu de alguns, porto seguro de outros e amparo a incontáveis atingidos pelas ocorrências do sofrimento.

Ajudar ou não é decisão íntima.

A seara permanece vasta, os servidores são poucos e o convite para que desçamos à vinha do Senhor não cessa de comunicar vagas disponíveis nas tarefas inadiáveis.

Quem deseja aproveitar?


Marta (Espírito)

Salvador, 20.04.2025


Médium: Marcel Mariano



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