segunda-feira, 19 de maio de 2014

A AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS NO DIREITO BRASILEIRO


 *Maraísa Santana


No mês passado (abril/2014) escrevi artigo (AÇÃO REVISIONAL DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS É GARANTIDA POR LEI), que foi publicado pelos mais importantes BLOGs da região, abordando aspectos legais desse tipo de contrato, garantidos pela Lei 8.078/1990, a popular Lei de Defesa do Consumidor ou Código de Defesa do Consumidor, obtendo ampla repercussão entre os milhares de leitores que tiveram acesso ao referido texto, porque esclareceu pontos importantes sobre esse tipo de ação.

Agora, em maio, o site MeuAdvogado trouxe na sua edição do dia 12, artigo escrito pela advogada Joice Raddatz, intitulado A ação revisional de contratos, esclarecendo algumas dúvidas sobre esse tipo de ação, o que me motivou a tratar do tema, situando o assunto no direito brasileiro da atualidade, explicando em linguagem simples e acessível ao leitor leigo, o que é uma ação revisional, qual o seu objetivo, como funciona, como estão sendo julgadas as ações revisionais, as alterações jurisprudenciais profundas ocorridas recentemente, de modo especial, as relativas as taxas de juros, a capitalização mensal, a comissão de permanência, os juros de mora, a multa moratória, a correção monetária e a inscrição/manutenção em cadastros de inadimplentes. Vejamos, pois, cada aspecto abordado a seguir:

O QUE É AÇÃO REVISIONAL?
É a ação judicial pela qual o autor propõe revisar contratos de financiamentos ou de empréstimos feitos para uso pessoal ou para compra de imóveis, veículos, equipamentos (sejam industriais ou agrícolas), com instituições financeiras autorizadas a funcionar legalmente, com ou sem alienação fiduciária (o tomador do financiamento fica na posse imediata do bem financiado, mas só obtém a sua propriedade após o cumprimento da obrigação assumida).

QUAL É O OBJETIVO?
O autor desse tipo de ação procura reduzir a prestação mensal paga ou reduzir o total do débito que lhe está sendo cobrado.

COMO FUNCIONA?
O devedor ingressa na justiça com a ação pleiteando a revisão de cláusulas contratuais preestabelecidas e requer decisão liminar (decisão imediata, antes de julgar o mérito da questão) que o autorize a depositar em juízo os valores que entende devidos, isso na hipótese de ainda ter parcelas a pagar. Ao analisar a causa, o juiz poderá conceder a liminar, garantindo ao autor da ação o direito de suspender o pagamento das parcelas devidas diretamente à financeira ou banco, passando a depositar o valor que entendeser o valor justo em juízo. Na hipótese da financeira ou banco ter apontado o nome do contratante nos órgãos de proteção ao crédito (em geral, SPC e SERASA), o juiz, ao conceder a liminar poderá determinar o cancelamento imediato desse apontamento, ou proibir a financeira ou banco de promover o apontamento, se ainda não o fez. Também, pode o juiz impedir que a financeira ou banco promova ação de busca e apreensão do objeto financiado, em caso de inadimplência, o que ocorre, em geral, quando o cliente deixa de pagar três parcelas do financiamento ou empréstimo.

Quando a ação revisional é estritamente bancária, o autor poderá pedir ao juiz que determine a redução de taxas de juros que ficou estipulada em percentuais muito mais alto do que a média praticada no mercado, podendo, ainda, pedir ao juiz que coíba a acumulação de diversos encargos que disfarçam a aplicação de uma taxa de juros diferente da taxa contratada, acumulação que é muito comum pela cobrança de comissão de permanência, junto com correção monetária e juros de mora em valor superior ao limite permitido pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor), além de outros abusos que somente serão percebidos por um profissional habilitado no assunto.

Convém observar que cada tipo de contrato de empréstimo, seja cheque especial (com estipulação de limite para saque sem provisão de fundos), capital de giro (para uso de suprimento de mercadorias na empresa ou negócio), leasing (pagamento em forma de aluguel do bem, com prioridade de sua aquisição ao final do contrato), CDC (crédito direto ao consumidor para usar o dinheiro como quiser), crédito imobiliário (destinado a compra de imóveis), entre outros, todos têm “características próprias e cláusulas que devem ser analisadas com cuidado para que se verifique a possibilidade de ingresso de uma Ação Revisional e se esta valerá realmente a pena para o cliente”, como adverte a advogada Joice Raddatz, no artigo citado.

COMO ESTÃO SENDO JULGADAS AS AÇÕES REVISIONAIS (AS ALTERAÇÕES JURISPRUDENCIAIS MAIS RECENTES)?

Recentemente registram-se alterações bastante profundas nas decisões dos tribunais (decisões jurisprudenciais) nas ações Revisionais de Contratos Bancários, com destaque para os seguintes aspectos:

As taxas de juros - O STJ (Superior Tribunal de Justiça), em decisões recentes estabeleceu que a limitação dos juros a 12% a.a. (ao ano), que está prevista na Lei da Usura “não se aplica as instituições financeiras”, mas também tem decidido que é abusiva a taxa de juros quando o seu percentual é fixado superior a Taxa Média do Mercado, fazendo recair nas decisões sobre casos dessa natureza, a Súmula 7, do próprio STJ.

No site do Banco Central do Brasil encontramos as taxas de juros que correspondem à média das taxas praticadas nas diversas operações realizadas pelas instituições
financeiras, em cada modalidade, valendo lembrar que o autor da Ação Revisional deve, com o pedido feito à justiça, juntar o demonstrativo da taxa média praticada pelo Banco Central do Brasil, à época da assinatura do contrato.

A capitalização mensal – Ocorre quando o banco ou instituição financeira, além da taxa de juros anual nominal, aplica a taxa de juros efetiva, que é maior. Essa taxa efetiva esconde a capitalização de juros, o que faz com que o saldo devedor aumente ao final do prazo contratual. Explico: o cliente contrata R$ 30 mil e paga esse valor acrescido de juros e correção monetária, atingindo o valor final de R$ 45 mil, e ao final do contrato está devendo muito mais do que esse valor, pela incidência dos chamados juros efetivos.

Para os especialistas em Defesa do Consumidor a capitalização mensal de juros é vedada nos contratos de financiamento, empréstimos e outros, contudo, essa questão virou uma polêmica no poder judiciário, porque, apesar de existir uma súmula do STF (Supremo Tribunal Federal) proibindo essa cobrança, existe em contraposição uma Medida Provisória (MP) que permite essa cobrança. Aliás, essa MP está submetida a uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que ainda aguarda decisão final, mas já tem voto de alguns ministros que entendem que a cobrança é legal, desde que esteja explicito no contrato.

Já o presidente do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor do Sistema Financeiro, Donizet Piton, defende que os atuais contratos bancários que adotam essa modalidade de capitalização “estão na contramão dos direitos do consumidor”, lembrando que “alguns juízes mais velhos, experientes e que não estão cansados, ainda dão ganho de causa para o consumidor”

Vê-se, portanto, que o assunto ainda vai render muito, até que o STF julgue a ADI em tramitação naquela Corte de Justiça.

Diante dessa situação, atualmente, prevalece a seguinte situação: “Caso não haja previsão contratual expressa permitindo a capitalização mensal esta cobrança será abusiva e por consequência será afastada”, como ressalta a advogada Joice Raddatz, no artigo citado, seguindo posição do STJ que definiu em recente julgamento do Agravo Regimental nº 358.457, do Mato Grosso do Sul, relatado pelo Ministro MARCO BUZZI, da Quarta Turma, julgado em 06/02/2014 e publicado no Diário da Justiça de 17/02/2014) que “A capitalização de juros, independentemente do regime legal aplicável (anterior ou posterior à MP 1.963/2000), somente pode ser admitida quando haja expressa pactuação (acordo) entre as partes”.

A Comissão de permanência – Quando cobrada cumulada com correção monetária também não é admitida pelo STJ e a maioria dos tribunais, porque, segundo o entendimento dessas decisões, o contrato deve prever ou um ou ou outro, sendo a cobrança cumulada considerada abusiva.

Os juros de mora – O Código de Defesa do Consumidor limita os juros de mora a taxa de 1% a.m. (ao mês), valendo ressaltar que o STJ, há muito tempo, já decidiu que podem ser pactuados até o limite de 12% ao ano, conforme previsto na Lei de Usura (na verdade, o Decreto nº 22.626/1933), lembrando que se houver incidência de comissão de permanência os juros moratórios serão afastados.

A multa moratória – O entendimento que prevalece no STJ e nos demais tribunais do país é o de que a alíquota de 10% (dez por cento) só poderá ser mantida para contratos firmados antes da vigência da Lei 9.298/96, que alterou o Código de Defesa do Consumidor. Vale observar que nos contratos firmados após esta lei a multa estará limitada a 2% (dois por cento) incidindo uma única vez. Alias, é bom lembrar que , a jurisprudência prevalente nesse sentido é a de que “A redução da multa contratual de 10% (dez por cento) para 2% (dois por cento) somente se aplica aos contratos bancários celebrados em data posterior à vigência da Lei nº 9.298/1996 (conforme Agravo Regimental nº 135.185/RS, relator Ministro RICARDO VILALAS BOAS CUEVA, Terceira Turma, julgado em 04/04/2013, publicado no Diário da Justiça de 10/04/2013).

A correção monetária – É o assunto de grande discussão nos meios jurídicos do país, na atualidade, havendo controvérsias sobre o índice a ser utilizado nas diversas situações em que se exige a correção monetária. Está em destaque, atualmente, a correção monetária sobre depósitos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), a partir da vigência da Lei que instituiu a TR (Taxa Referencial), enquanto o correção de dívidas da União, dos Estados e dos Municípios, por decisão provisória do STF devem ser corrigidas pelo IPCA (Indice Preços ao Consumidor – Ampliado). Sendo o percentual da TR menor do que o percentual do IPCA, a corrida de titulares de contas do FGTS à justiça tem sido muito grande (já alcança a casa das 100 mil ações), querendo que a correção de suas contas se dê também pelo IPCA e não pela TR.

Nos contratos bancários o STJ admite a cobrança da TR como fator de correção monetária desde que pactuada pelo mesmo índice aplicável à caderneta de poupança, como se pode ver na seguinte decisão: “É possível a adoção da taxa referencial (TR) como índice de correção monetária para os contratos que prevejam a atualização monetária dos depósitos de poupança como fator de correção monetária do saldo devedor 9Agravo Regimental no Recurso Especial nº 120.169/DF, tendo como relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI, da Terceira Turma, em 20/09/2012 e publicado no Diário da Justiça de 26/09/2012).

A inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes – O STJ tem decidido que “a abstenção da inscrição e/ou manutenção de nome de pessoas em cadastros de inadimplentes, especialmente, SPC e SERASA, quando requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se ocorrer, cumulativamente, as seguintes situações: 1-se a ação estiver sustentada em questionamento integral ou parcial do débito; 2-se houver demonstração de que a cobrança indevida está baseada na aparência do bom direito (“fumus boni iure”) e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; 3-se houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. Também o STJ tem firmado que a inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastros de inadimplentes “decidida em sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção”. (Recurso Especial nº 1061530/RS, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008 e publicada no Diário da Justiça em 10/03/2009).

Conclui-se, portanto, que estas posições do STJ estão sendo acolhidas pela maioria dos juízes de Primeira e Segunda Instâncias (Foros e Tribunais Estaduais), lembrando a advogada Joice Raddatz que “apesar de a jurisprudência ser bastante favorável aos Bancos, ainda há muitos abusos cometidos e o Poder Judiciário vem impondo limites em relação a estes aspectos”.

Observa-se que a ação revisional vem tendo grande importância quando se trata da negociação do saldo devedor, caso o banco aceite negociar ou inicie as negociações, o que significa, na prática, que é possível obter a concessão de mais prazo para o pagamento e/ou um bom desconto em relação ao saldo devedor.

Por fim, como observa Joice Raddatz, “é muito importante que se faça o cálculo antes de propor qualquer ação revisional, pois só assim se poderá ter uma idéia mais concreta acerca do valor efetivamente devido e se há ou não abusividade na contratação”.



*Maraísa Santana é advogada com larga experiência em Defesa do Consumidor, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba).

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