Sentada na esteira de juncos, escutei teu apelo libertador.
"A cítara da mocidade entoou seu cântico na porta da minha mocidade. Vi-me, embriagado de prazeres que somente as carnes tenras da juventude podem ofertar. O mundo jazia cheio de apelos, qual ânfora rara, portando vinho precioso.
E me deixei viajar no corcel dos prazeres sem fim...
Sensações afrodisíacas.
Mesa farta de acepipes diversos.
Aguardente que me furtou o raciocínio.
O cheiro do sândalo embriagou-me as narinas.
A prata e o ouro faiscaram seu brilho diante dos meus olhos sedentos de poder e posse.
Percebi que o mundo estava aos meus pés, como um pária diante de um babaji.
Palácios, túnicas raras, elefantes e cavalos, burras cheias de joias e camafeus incrustados de pingentes cobiçados.
Que mais queria eu da vida?
E num instante de silêncio, quando a consciência se me fez lúcida por instantes ligeiros, pude perceber tênue raio de sol visitando a papoula no jardim.
Colorido colibri, sedento de néctar, beijava as flores como quem visitava a namorada sonhadora.
As palmeiras bailavam ao sopro frio da tarde.
No rio, os meninos brincavam com o paquiderme dócil.
Eu, então desperto, pude ouvir a voz suave da consciência, a quem me recusara escutar toda a existência:
~ Que fazes de tua mocidade? Hoje, teus pés singram as estradas ímpias, atravessam, expedito, o Himalaia de tuas conquistas e atingem a aldeia perdida de tua imaginação fértil.
~ Mas o que tens não é tua propriedade. O que gozas te entorpece os sentidos, o estômago saciado não te preencheu o vazio existencial e toda a melodia do mundo apenas te distraiu da verdadeira meta. Maia insinuou-se por tuas fantasias e te fez vassalo da ilusão.
Desperta, ó peregrino, para a impermanência de tudo! Retoma as rédeas de tua carruagem de sonhos e percorre as estradas do dever.
Levanta esses olhos do pó do mundo e fita as estrelas, que tremeluzem em tua madrugada de pesadelos.
Não tarda e novo dia se fará em tua marcha.
Bebe a água do conhecimento libertador. Experimenta o pão da verdade.
Sorve o ar balsâmico da maturidade e educa tua ansiedade.
Em torno de ti palpita a vida, que esplende além de tuas carências e caprichos.
A flauta patética de tua mocidade deixará de tocar esse réquiem de fogo fátuo, que amolenta teu caráter e vicia teus sentidos.
Há caminhantes que seguem ao teu lado e ainda não os vistes. Crianças te sorriram na aldeia e as desprezastes. Mulheres sábias te buscaram os sentimentos para o festim da alegria e te isolastes no harém de teus desejos carnais.
Livros desejaram lapidar tua ignorância, e recusastes a iluminação literária.
Vem, ainda há tempo para teu despertar!
O Cristo que habita em ti agita-se nas traves de tua cruz de inconsciência. Busca fazer dos braços abertos duas asas com que possa te arrebatar do mundo, alçando voo contigo, qual ícaro mitológico, que desperta antes que a cera derretida de teu fascínio ilusório te arroje no oceano vasto das incertezas.
Vem, tua mocidade ficou no ontem!
Com Ele, és um adulto no rumo do amanhã sem fim."
Tagore e Marta (Espíritos)
Salvador, 01.06.2025 - outono
Médium: Marcel Mariano


Nenhum comentário:
Postar um comentário