sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O Campo dos Sapatos — Majdanek, 1944

 


O Campo dos Sapatos — Majdanek, 1944


Quando o Exército Vermelho entrou em Majdanek, em julho de 1944, esperava encontrar tiros — não silêncio. Os portões estavam abertos, as torres de vigilância, vazias, e o arame farpado tremia ao vento. Além dos barracões, as chaminés se erguiam como lápides contra o céu — seus fogos há muito extintos, mas o ar ainda pesado com o que havia ardido ali.


O tenente Pavel Orlov e seus homens avançaram com cautela pelo campo até chegarem a um armazém. Lá dentro, pararam em choque. Diante deles se estendia uma montanha de sapatos — sandálias infantis, chinelos femininos, botas masculinas. Dezenas de milhares deles. Cada par ainda guardava a marca fantasmagórica de quem os havia calçado. Aqueles soldados já tinham visto a morte antes, mas nunca sua evidência disposta de forma tão silenciosa, tão completa. Pavel pegou um par de sapatos vermelhos, pequenos o bastante para uma criança, e segurou-os nas mãos. Ao seu redor, ninguém falou. Não havia mais o que dizer.


Eles levaram os sapatos para fora, colocando-os em longas fileiras sob o céu cinzento. Tornou-se um ritual sem palavras — uma maneira de dar forma a uma dor grande demais para ser compreendida. Cada sapato era um nome, uma história, um coração apagado.


Nos anos seguintes, visitantes de Majdanek caminhariam entre esses mesmos sapatos, respirando o leve cheiro de couro e tempo. Alguns choravam, outros apenas ficavam imóveis. Todos sentiam a mesma verdade emergir do silêncio: aqueles não são vestígios dos mortos, mas a presença dos vivos — um testemunho de que a memória persiste onde a vida foi arrancada.

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